Existe um lugar na Terra onde nada apodrece — e não é por mágica

Imagine enterrar um pedaço de carne e, ao desenterrá-lo anos depois, encontrá-lo praticamente intacto. Sem odor de podridão, sem larvas, sem decomposição.

Parece cena de filme de ficção científica, mas isso é realidade em um vilarejo remoto da Sibéria, chamado Oymyakon, considerado o lugar habitado mais frio do planeta.

Em Oymyakon, o frio é tão extremo que transforma a vida cotidiana em um desafio constante. Tudo congela: roupas, alimentos, eletrônicos, veículos e até mesmo o tempo, congelado no silêncio branco de um lugar onde nada apodrece.

 

Onde fica Oymyakon?

 

Oymyakon está localizado na República de Sakha (Yakútia), uma vasta região ao leste da Rússia, próxima ao Círculo Polar Ártico. O nome “Oymyakon” vem de uma palavra que pode ser traduzida como “água que não congela” — uma ironia, considerando que a temperatura local pode atingir impressionantes -60°C no inverno.

Apesar das condições severas, cerca de 500 pessoas vivem permanentemente ali, mantendo uma rotina que exige resistência física, psicológica e cultural. Para os moradores, o frio não é mais uma surpresa — é uma condição de vida.

 

O que é permafrost?

 

O grande responsável por esse congelamento contínuo é o chamado permafrost — um tipo de solo que permanece permanentemente congelado, mesmo durante o verão.

Na maioria das regiões do mundo, o solo se aquece com o tempo, permitindo que matéria orgânica (como folhas, restos de alimentos ou cadáveres) se decomponha.

Mas em Oymyakon, a camada de gelo subterrânea pode ter centenas de metros de profundidade, o que impede qualquer processo de decomposição biológica.

Essa característica cria um efeito impressionante: microrganismos que causam apodrecimento simplesmente não conseguem sobreviver ou se reproduzir ali. Como resultado, tudo o que entra no solo permanece “preservado”, como se estivesse em um enorme freezer natural.

Inclusive, cientistas encontraram sementes e tecidos de animais pré-históricos perfeitamente conservados no permafrost da Sibéria, com potencial até de serem clonados no futuro.

 

Como é viver em um freezer natural?

 

A vida em Oymyakon exige uma rotina rigorosa e adaptada ao extremo.

Os carros nunca são desligados, mesmo durante a noite, porque o combustível e o óleo congelariam, tornando quase impossível ligá-los de novo. As casas são construídas sobre pilares para não derreter o gelo do solo com o calor interno — o que causaria instabilidade estrutural.

Celulares e baterias param de funcionar em minutos se expostos ao ar livre.

A água é armazenada em blocos congelados, pois os canos comuns não funcionam. Os moradores derretem gelo para tomar banho e cozinhar. E sair de casa sem proteção térmica completa pode causar congelamento da pele em questão de minutos.

Mesmo assim, as crianças vão à escola normalmente — mesmo com -50°C. Há registros de cancelamento de aula apenas abaixo de -52 °C, reforçando como a vida ali segue com certa normalidade, mesmo nas condições mais hostis do planeta.

 

Alimentação e costumes

 

A dieta dos habitantes é outro reflexo das limitações do clima. Como é impossível plantar em solo congelado, a alimentação é baseada em carnes congeladas, peixes secos, gordura animal (como banha de rena e boi-almiscarado) e pratos típicos como o stroganina — peixe cru servido ainda congelado, fatiado como sashimi congelado.

Frutas e vegetais frescos são artigos raros e geralmente importados de outras regiões. O leite é fervido e congelado em blocos.

Curiosamente, congelar os alimentos ali é o modo natural de conservação — sem precisar de geladeiras ou freezers.

 

E os mortos?

 

Um dos detalhes mais curiosos de Oymyakon é como o frio afeta até mesmo a morte.

Enterrar alguém ali é um processo trabalhoso: é preciso acender fogueiras sobre o solo por vários dias para amolecer o gelo o suficiente para cavar.

Por isso, muitos corpos são enviados a outras cidades para sepultamento. A decomposição praticamente não ocorre, o que faz com que corpos enterrados há décadas permaneçam preservados, como acontece em outras regiões de permafrost, como Longyearbyen, na Noruega.

 

Uma cápsula do tempo natural

 

Do ponto de vista científico, Oymyakon é uma cápsula do tempo viva.

Estudos realizados na região ajudaram a entender a resistência de microrganismos ao frio, formas de vida extremófilas e até possibilidades de preservação genética ao longo de séculos.

É por isso que o solo da Sibéria é estudado por cientistas do mundo inteiro — inclusive por equipes da NASA, que buscam compreender como a vida poderia resistir em ambientes gelados como Marte ou luas de Júpiter.

 

Conclusão: o lugar onde o tempo congela

Oymyakon é mais do que uma vila congelada — é um lembrete de que a Terra é cheia de extremos surpreendentes, onde as leis da natureza assumem formas que fogem do nosso senso comum.

Um lugar onde a vida persiste, mesmo congelada, e onde o passado pode ser literalmente desenterrado, preservado em estado quase original.

 

É o tipo de curiosidade que nos faz perceber o quanto ainda há para descobrir em nosso próprio planeta — e como a adaptação humana pode ser surpreendentemente resiliente.